Antes de tudo, gostaria de agradecer enormemente aos amigos que comentaram, aos que leram e curtiram a entrevista do post anterior. Fiquei muito feliz com a boa recepção de vocês ao artigo!
Em segundo lugar, um esclarecimento: este post não é dica de estudo, nem nada que a princípio pareça relevante ao concurso. É apenas um desabafo, uma opinião, que provavelmente vá causar certa polêmica, mas algo que me sinto a vontade de dizer.
Estudando Direito Constitucional, Processual Penal e Penal fui me tornando cada vez mais cético quanto ao nosso sistema penal. Já o era, óbvio. Qualquer pessoa com um mínimo de capacidade crítica, que leia um jornal ou assista um telejornal saberá do que estou falando. Mas esse ceticismo é algo que realmente me incomoda, em especial pela atividade que pretendo desenvolver da minha vida, que é a atividade policial.
Que o nosso sistema penal é precário, não temos dúvida. E quando digo "sistema penal" não me refiro apenas ao sistema penitenciário, mas todo uma gama de leis, decretos e ações públicas com intuito de levar pena ao autor da infração, justiça ao lesado e paz à sociedade. No entanto, cada vez mais isso parece mais impossível.
Não sou formado em Direito, então minha opinião aqui é de um leigo. Mas deixo bem claro meu ponto de vista: nossa sistema penal não funciona. Parece que nossos legisladores, ao fazerem nossos Códigos e nossa CF/88, pareciam pensar numa sociedade utópica, ideal. Muito, mais muito distante do que de fato é. Um Direito dito "garantista", com uma série de direitos aos infratores. Até aí nenhum problema, pois ele só começa quando as falhas desses sistema terminam por vitimar a própria sociedade.
Só pra começar, vem o Princípio da Irretroabilidade Penal. A Lei não retroagir não é o problema, pra mim está tudo ótimo até aí. O problema começa quando a excessão a regra é a retroabilidade em benefício do réu! Os defensores das "vítimas da sociedade injusta e capitalista" (ou simplesmente, meliantes, criminosos, bandidos, etc.) afirmam que, por se tratar de algo tão imprescindível quanto a liberdade, a lei está certa em retroagir em favor do mesmo.
Poxa, mas peraí! Até onde eu sei, o meliante em questão praticou um crime, em dada época, consciente ou não do tempo de prisão que tal infração penal lhe custaria. Então uma nova lei é redigida e ele é beneficiado? Discordo completamente! Mas quem se importa com minha opinião, não é? Afinal, depois que este indivíduo sair da cadeia, a qual deveria ter um papel "socializante" (mas que na verdade parece só o tornar mais "bestial", por assim dizer), ele voltará a sociedade, não-recuparado, pronto para matar/estuprar/roubar de novo. É um círculo vicioso, e só os nossos tolos governantes não parecem perceber!
Outros dois exemplos que gostaria de dar, mas que talvez fuja um pouco disso tudo, são os Incisos LVI ("São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos") e LXIV ("O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial") do Art. 5º da CF/88.
No primerio caso, como opinião pessoal, acredito que, ainda que recolhida de forma ilícita, o Judiciário não deveria desconsiderar completamente a prova. Não estou me referindo a confissão sob tortura, ou algo assim, mas beira o ridículo uma situação em que, em um grampo ilegal, o acusado confessa o crime e o Juiz simplesmente descarta por ser ilícito. Uma alternativa seria a de que a prova tivesse peso no processo, e o autor da irregularidade, responsabilizado administrativamente. Alguém lembra da Operação Satiagraha, do ex-Delta Protógenes Queiroz?
No segundo caso, eu imagino que o legislador não pensou na família do policial que prendeu o Fernandinho Beira-Mar quando editou esse inciso. Gente, será que esse inciso, assim como os incisos LXI e XLIX do mesmo artigo, não está fundamentado sobre uma ótica de uma polícia extremamente arbitrária e cruel, com um senso sádico e que só pensa em tortura e ferrar com a vida do meliante (ainda com o status de "suspeito")? O inciso sobre a identificação do agente que efetuou a prisão e o interrogatório são exemplos nítidos disso, de modo que impossibilita o policial de cometer qualquer irregularidade, sobre o risco de ser identificado; mas esqueceram que o policial, mesmo sem cometer qualquer arbitrariedade, também corre risco. Pior: sua família também.
Enfim, como disse, esse post é mais um desabafo que qualquer outra coisa. Nosso sistema penitenciário não recupera ninguém, nossa legislação é absurda, nosso legislador é inocente ou extremamente estúpido (estou tentado a acreditar na última opção). Como li no livro de Fausto C. Candiago, delta da Polícia Civil do RJ, "Delinquência no Brasil", "No Brasil, todo mundo parece que tem pena de bandido".
Não sou nenhum monstro, não quero o extermínio sumário de todos os bandidos, mesmo porque, como historiador, entendo o processo histórico que resultou no atual estado das coisas. No entanto, certos aspectos da nossa realidade se mostram cada vez mais repugnantes, e até entendermos as bases desses aspectos, permaneceremos estagnados. A sociedade gera o marginal, o marginal se rende ao mundo do crime, a sociedade é vítima do marginal, o marginal é engolido pelo sistema e cuspido logo depois, volta a cometer crime, e a sociedade volta a ser a vítima, etc., e permanecemos neste círculo vicioso até que alguém tenha coragem de mudar as coisas.
Sobre o Cód. Penal e Processual não tem nem o que falar,além de ser da 1940,é interpretativo,e interpretação não é fácil. É só ver que para o mesmo crime,2 juízes vão ter visões totalmente diferentes.
ResponderExcluirTem doutrina majoritária e minoritária,tem jurisprudência majoritária e minoritária,o código penal e o processual já passou o tempo de serem totalmente reformulados. O duro é a boa vontade do pessoal de Brasília,para votar leis de aumento de salário é rápido,agora votar um projeto de lei para pedofilia por exemplo,do Senador Magno Malta,está até hoje lá parado.
Eduardo sugiro você e quem tiver interesse, assirtir este vídeo do professor Rogério Greco (http://www.youtube.com/watch?v=7zSV0AlE1qo)- fala exatamente sobre esta sua indagação e como o direito penal no Brasil não evoluiu.
Já sobre a CF,ela foi feita pós-ditadura,então acredito que por isso tem tantos incisos que parecem ser contra a polícia,são as sequelas daqueles tempos. Por outro lado,acho que a nossa CF é uma das mais modernas,é claro peca em muitos artigos (para isso existem as emendas),mas tem muitas garantias e direitos (pelo menos no papel) que CF de outros países não tem.
Este artigo que tu citou LXIV,me lembrou a primeira prova que eu fiz visando a carreira policial (PC-TO),não sabia nem o que era Direito e não estudei nada,na verdade nem sei o que fui fazer lá. O CESPE que fez a prova e caiu exatamente este artigo, do jeito que está escrito na CF.
Eu leigo né,pensei que nunca ia ter um artigo daquele jeito,que como o preso vai poder saber o nome dos policiais assim de bandeja. Fui lá e marquei ERRADO no gabarito,quando corriji e vi que era CERTO não acreditei.
É isso ai. Rumo á PF(esqueceu de colocar).
Abraço
Fala Eduardo...
ResponderExcluirPô irmão, independentemente de ser um texto de "opinião", está muito show de bola e infelizmente (já que o ideal seria se a situação não estivesse neste ponto), concordo contigo.
A situação é tão caótica que o próprio senso comum já relaciona a legislação penal brasileira à normatizações que benificiam o réu.
Uma das partes do seu post que mais concordo, é que o CP, CPP e em certas medidas, a própria CF parecem ser destinadas a um país ideal, justo e organizado, mera utopia para a realidade em que vivemos.
Sinceramente pessoal, só para exemplificar, pra que diabos é necessário o art. 242, parágrafo 2º da CF, constar ser o Colágio Pedro II mantido na órbita federal? Me diz...
Por isso que penso que o fato da Constituição ser analítica, extensa, larga, prolixa, longa, volumosa, inchada, seja lá como o doutrinador queira chamar; é uma m...
Como se não bastasse a CF, conseguem, desculpe-me o termo, foder com o CP também. Os legisladores abusam da função simbólica do Direito Penal, ou seja, enchem o CP de figuras desnecessárias, hipertrofiando o Direito Penal e tirando a credibilidade do Poder Público.
Enfim, esta é uma espécie de mania: acham que o excesso de normatização, que dá apenas uma sensação de que alguma coisa é feita, resolve, mas na verdade só comprovam como há lacunas em prol dos criminosos.
Este é um assunto extenso. Como foi dito pelo Eduardo, há a questão do sistema penitenciário. Ou seja, por mais que tudo mude, e prenda-se todos sem o excesso de burocracia hoje existente, não há uma estrutura prisional que atenda à demanda.
Em suma: está tudo uma zona. Precisamos fazer o nosso trabalho, como futuros policiais, ter muita paciência, e esperar (sentados ou dormindo mesmo) que repensem o atual sistema.
Mal galera, escrevi demais...
Mas fica aqui minha indignação
Eduardo, acredito que a lei é o resultado de uma conjuntura histórico-cultural que culmina na formulação de normas jurídicas que tipificam determinadas condutas, não as proibindo (estritamente falando), mas tão somente regularizando a consequência de sua prática no mundo dos fatos.
ResponderExcluirA técnica da retroatividade de lei mais benéfica para o réu subdivide-se em duas espécies: abolitio criminis e lex mitior.
Tomemos dois exemplo:
Em 1980, Maria Antonieta é presa por praticar o crime de adultério, sendo a pena prevista de 4 a 15 anos (aumentei para clarear a importância da técnica). Após o devido processo legal, ela é condenada a 10 anos de prisão em regime fechado, sem progressão de pena, pois a lei não permitia outro regime.
Suponha-se que a sociedade, veementemente patriarcal à época, considerava o crime de adultério repugnante, por ferir a honra do homem.
Agora suponha que depois de 6 anos de pena cumprida, ou seja, em 1986, o crime de adultério tenha sido excluído do ordenamento penal, não configurando mais uma conduta típica, antijurídica e culpável.
Seria justo Maria Antonieta cumprir os 4 anos restantes em regime fechado?
Se a sociedade, através de seus representantes, determinou que o crime de adultério agora não é mais crime, porque Maria deveria continuar presa? A “abolição” do crime não seria uma evolução?
É a face da retroatividade da lei mais benéfica chamada de abolitio criminis!
Tomando o mesmo exemplo, em 1986 sai uma lei dizendo que para o crime de adultério é vedado o regime fechado, devendo ser adotado penas restritiva de direitos.
Seria justo, então, Maria Antonieta continuar em regime fechado? É a Lex mitior (lei melhor!)
Essa é a lógica da técnica. Acho que é uma falácia dizer que a técnica tem respaldo de cunho político esquerdista, que é coisa dos defensores das "vítimas da sociedade injusta e capitalista”
Não é com a demolição de técnicas jurídicas que se combate a criminalidade, confio na legislação brasileira, inclusive a penal, o ruim é que ela não é respeitada. Tá toda acomodada no “jeitinho brasileiro”.
Bom ponto de vista, Ellison.
ResponderExcluirQuando me referia a retroabilidade da lei penal, não me referia ao abolitio criminis, mesmo porque, como você disse, uma vez que não se considera mais crime, dado o contexto sócio-cultural da época, não faz sentido em manter o indíviduo preso.
No entanto, o que critiquei foi a postura utópica da legislação penal brasileira (ou melhor, dos legisladores). Não sou o tipo de cara que tem fé no "sistema", porque, por mais tolo que soe, como diz Capitão Nascimento, "O sistema trabalha pra resolver os problemas do próprio sistema".
Também há que se pensar que nem sempre, ao editar uma lei, o legislador está pensando no contexto sócio-cultural. Muitas vezes é mais benéfico (e econômico) determinar certas coisas que antes era crime, como contravenção, por exemplo.
Sim, eu sei que estou sendo absurdamente pessimista e cabeça dura, mas é assim que entendo as coisas. Não sugiro uma "demolição de técnicas jurídicas". Proponho uma reformulação, e com essa sim, se combate a criminalidade. Obvimente, não unicamente: um sistema penitenciário realmente socializante, uma educação formal e de qualidade (como prevenção), uma melhor estruturação da Segurança Pública, novas diretrizes e oportunidades, entre outras coisas, são aspectos a serem pensando e que tornariam, de fato, eficiente o combate à criminalidade.
Uma coisa levantada aqui é o excesso de normas. Rogério Greco, um dos meus autores favoritos, deixa bem claro que, quando se tem "normatização e regulamentação" de tudo, por assim dizer, acaba que nada é respeitado, o sistema penal termina desacreditado e o caos continua a ser soberano no país.
De fato é uma questão complicada, mas obrigado por compartilhar suas opiniões conosco, brother ^^
Um outro exemplo que ACABEI de descobrir (estava estudando e interrompi só pra postar isso):
ResponderExcluirQuando há tentativa de homicídio, por exemplo, o criminoso sofrerá a mesma pena de homicídio, mas com redução de um terço até dois terços, dependendo apenas da maior ou menor proximidade da consumação do fato.
Preste atenção! Numa tentativa de HOMICÍDIO, crime contra a VIDA, não consumada por causas ALHEIAS A VONTADE do agente, ele vai ter a pena REDUZIDA. Desculpe, Ellison, se passarei por cima da sua "técnica jurídica", pois sou leigo mesmo, mas se não fosse o acaso, Deus, a polícia, ou quem você queira atribuir o fato da não consumação, o crime teria acontecido SIM. Só porque a pessoa não terminou morta, isso não excluí, e não deveria reduzir a pena, da responsabilidade do agente, em NADA!
Mais um vez, estou cada vez mais me convencendo que o Estado protege o criminoso SIM, e as leis foram elaboradas pra Suíça, ou pra Finlândia, ou qualquer país com um sistema penal que funcione, e não para o Brasil, com suas superlotações, sua desigualdade social e má distribuição das rendas.
Uma coisa é matar, a outra é tentar matar. Você não está sendo técnico. E isso é essencial pra quem trabalha com o Direito e pra quem pretende dominá-lo em sua aplicação no cotidiano (é isso que estou tentando lhe alertar). Sei que é repugnante minorar a pena de quem tentou matar uma pessoa simplesmente porque o sujeito ativo não conseguiu praticar o verbo do tipo por circunstância alheias à sua vontade. Mas, como eu disse, uma coisa é matar, outra é tentar matar. São diferentes, e por isso merecem tratamentos diferentes. Na primeira houve ofensa ao bem jurídico mais importante, que é a vida, na segunda, houve apenas ameaça ao bem. É crime, mas merece pena atenuada, em virtude do crime de homicídio ser um crime de dano, e numa tentativa esse dano não se configura. Isso não significa que o cara vai sair impune ou se lascar menos. Como você mesmo sabe, passar 1 dia em um presídio deve ser tudo de bom! Hhehehehe
ResponderExcluirNão to tentando ser um "técnico" cego, que ignora o repúdio humano em relação a práticas de crimes bárbaros. Imagina se o garoto João Hélio tivesse sobrevivido depois de ser arrastado pelo carro roubado da mãe? Iria ser revoltante ver os bandidos condenados a penas mais leves. Porém eles não mataram o garoto, hipoteticamente nesse caso, apesar de terem demonstrado que não estavam nem aí pra vida dele. A saída nesse caso era somar a pena do roubo + tentativa de homícidio (em virtude de que latrocínio só se configura com o homicídio + roubo), o que aumentaria a pena dos bandidos. O que não pode pensar é que por causa de casos como esse seria melhor igualar tentativa à consumação, pois são coisas distintas.
Todavia, eu concordo com você no aspecto genérico de seus argumentos: o nosso Estado é muito mamãe com a bandidagem. E é necessário sim, uma reformulação, como você mesmo disse, do ordenamento penal, mas não vislumbro a reforma de técnicas jurídicas básicas como algo eficiente, o que deveria ser mudado é a rigidez com que a lei já existente deve ser aplicada.
Bem, esse é o meu ponto de vista! :D
Abraços, Eduardo.
Eduardo,
ResponderExcluirvi toda discussão e achei muito rica.
Entendo que as vezes o sistema nos irrita e faz crescer o sentimento de revolta e impotência dentro de nós, mas em relação aos questionamentos do CP,com a sua licença, vou introduzir na discussão um termo chamado "Sindrome de Alice" que versa sobre a crença que o direito Penal irá resolver todas as mazelas relacionadas a violencia e criminalidade.
A criminalidade e violencia, na realidade, são frutos de um complexo sistema de variáveis, que poderiam ser amenizadas com inclusão social por exemplo.
Nunca esqueça que a pena não vem para punir, vem para ensinar.
Abraços,
Leonardo Azevedo
ps.: Apesar de nunca comentar, sempre leio os posts. PARABENS PELOS BLOG.