sexta-feira, 12 de novembro de 2010

As Crônicas de Persival - Prisão em flagrante


Os doutrinadores chamam de "flagrante" o delito que está sendo cometido ou acabou de sê-lo. Ou seja, é quando você pega o meliante com "a mão na massa". O flagrante é na hora, em cheio. Não requer toda aquela baboseira burocrática, ou ordem judicial (só depois, quando lavrado pelo delegado). A fundo, é uma medida de preservação, por isso, qualquer um do povo pode prender alguém em flagrante. Isso é o que a lei diz, mas vai tentar prender alguém sem uma arma ou saber artes marciais e vê o que acontece... rsrs.

Vou contar um caso engraçado. Quer dizer, "engraçado" não é, mas ilustra bem o caso. Tava de plantão na Delegacia, resolvendo alguns relatórios atrasados. De repente, um major da PM, grande amigo meu, me reporta uma problema acontecendo a alguns quilometros da minha circunscrição (esqueçam aquele negócio de "jurisdição").


- Deu merda lá, Persival. Acho melhor você partir direto... - disse o major Ramos.

- Porra, Ramos, que merda que deu? - indaguei.

- Complicado explicar. Parte logo pra lá que já mandei uma guarnição também. Copiou? - Copiei. Tô indo.

Chamei o inspetor Theo, meu "parceiro" de diligências, e fomos para o local indicado pelo major. Lá chegando, encontrei uma viatura da PM e uma ambulância do SAMU. Uma verdadeira festa da Segurança Pública carioca: CBMERJ, PMERJ e PCERJ, todo mundo trabalhando junto. Riria, se a situação não fosse trágica. Pra reunir tanta gente boa de uma só vez, parceiro, pode crer que deu merda mesmo. E das grandes.

Situação (me passado durante a averiguação): Meliante X tenta furta cidadão lutador de artes marciais. O cidadão lutador reage, desarma o meliante X, mas não contava que um meliante Y estivesse dando cobertura. Levou um tiro nas costas. Estado grave. Meliantes fogem. PM aparece e abate Meliante Y. Meliante X continua a fugir com a PM no encalço. Depois de quase uma hora de perseguição, X se rende, PM dá um trato no "amigo" e chama a gente.

Estamos diante de uma prisão em flagrante, apesar de não ter sido na hora do crime. Por que? Bem esse é o chamado "flagrante impróprio", onde o "agente é perseguido, logo após a infração, em situação que faça presumir ser o autor do fato". Alguém aí duvida da autoria por parte dos meliantes X e Y? Mas cuidado pra não confundirem com "flagrante presumido", que é quando se acha coisas com o cara que indicam ele como autor. Aquela coisa de roubar bombom das Lojas Americanas, sabe? Se te acham com o papel do bombom, você roubou, mesmo que não tenha sido o caso.

Não foi o caso, e o flagrante foi válido pois a perseguição pode durar horas, dias, semanas, contanto que seja após a infração e initerrupta. Pode classificam o flagrante como "compulsório" também, reservado a nós, da força de segurança, quando somos obrigados a agir ante o "ilícito penal", diferente das pessoas "comuns", a qual dar o flagrante é "facultativo".


Todo esse papo jurídico me cansa e me dá azia. Meus amigos Papa Mike, como sujeitos ativos da prisão (os agentes que realizaram a ação), nos reportaram o ocorrido e viemos. Todo aquele trabalho da polícia civil, como vocês sabem. O flagrante era facultativo para aquele jovem, como cidadão (só quem tem obrigação de agir somos nós), mas ele fez a escolha errada, como muitos fazem. Alguns por heroísmo, outros por idiotice. Não sei qual foi o caso do rapaz. Sei que alguns minutos depois a mãe e pai chegaram e foi aquela choradeira... Pena, verdade. Mas já vi a mesma situação tantas vezes que isso não me machuca mais. Me tornei menos humanos por isso?

Levamos o meliante, o "sujeito passivo", pra delegacia, com os amigos PM nos dando uma força. O delegado já estava pra terminar o plantão, e nem preciso dizer como ele ficou puto. Fez todas as formalidades pra lavrar o autor do flagrante: 1) comunica família do rapaz; 2) ouviu os chamados "condutores" (os que levam o meliante a autoridade, no caso, eu, Theo e os Mikes), reduzindo as declarações a termo, e entregando cópia ao preso (o que ele vai fazer com isso no xadrez? limpar a bunda, só se for); 3) ouve as testemunhas; 4) ouve o meliante (embora não seja necessário, mas é bom), com a presença (ou não) do advogado; 5) manda o escrivão lavrar e encerrar o auto.


No dia seguinte o meliante, agora na jaula, recebe outro papel pra limpar a bunda: a nota de culpa. Essa porra só serve mesmo pra fuder com a gente: nome dos responsáveis pela prisão, motivos da mesma, contendo nome dos condutores e das testemunhas. Os deputados quando fizerem essa merda queriam ou não fuder com a gente? No caso foi um pulga-de-bunda, mas se amanhã fosse o chefe do Comando Vermelho? Fudeu.

Encerrado a merda toda, terminei meu plantão. Não antes de bater um rádio pro Major Ramos e agradecer. Aquele caso era mais importante que eu pensei, mas isso eu descobriria depois, numa outra história.


Persival, o Civil.

_________________________________________________________________

Persival voltou! Espero que tenham gostado da história, galera. "Prisão em flagrante" é um dos itens do edital de Agente da PF, e o texto serve de boa revisão "lúdica". Resolvi fazer em primeira pessoa e ver como ficam. O que acham? Comentem.

Nota: O Sandro Araújo, APF e autor do livro recém-lançado "Federal", pediu pra avisar que, para quem quer comprar o livro, basta procurar ele na Delegacia da PF de Niterói (no Núcleo de Imigração), pra quem mora nas redondezas (aproveite e compre o livro autografado.. rsrs), ou, pra quem mora longe, mandar um e-mail que ele mesmo envia (misanthay@yahoo.com.br). Vale a pena, galera!

Forte abraço a todos.

E rumo à Polícia Federal!

4 comentários:

  1. Muito Boa a história,gostei;vocês estão de parabéns,embora não sejam reconhecidos por esta sociedade medíocre...

    ResponderExcluir
  2. Ai, o Persival...!!! Cuti-cuti! >**<
    A nota de culpa não serve só para limpar a bunda, é por causa do 306 CPP, para a pessoa saber por que está sendo presa.
    Já pensou se um dia tu é preso por engano, Edu? Sem a nota de culpa nem vai saber o que está acontecendo. A gente nunca pensa nas coisas por esse lado, mas prisão pode acontecer com qualquer um. Veja só o que rolou com os policiais que atiraram no juiz. Quem ia imaginar que aqueles caras iam puxar cana? Amanhã pode ser nós ^^
    Só acho que o nome do condutor devia ficar em sigilo, por motivos de segurança.

    beijinhos

    ResponderExcluir
  3. Daqui alguns dias já dá um livro hein. Parabéns cara.

    -Para motivar o pessoal: http://www.youtube.com/watch?v=1Myh61XuPXc&feature=related

    Bom domingo

    ResponderExcluir
  4. Muito bom a historia , deu para diferenciar bem os tipos de flagrantes e todo o processo que vem depois .... um abraço e boa forte ...
    Rumo a PF

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário. O feedback é importante para continuarmos a fazer o que fazemos.